Quinta Tarde

Hassan continuou com a sua farsa, que funcionara conforme previa.

- Ooohh, bom senhor, bom sacerdote... muito obrigado por esse gesto de caridade e altruísmo. Insisto em depositar ao menos o dízimo no altar, para que minha oferta seja bem recebida por Deus.

O sufi fez o seu discurso, mas não seria facilmente enganado. Os trejeitos de Pierre e seu sorriso tinham um "quê" de malicioso e lúgubre. Já tinha conhecido alguns sacerdotes cristãos antes, e poucos eram verdadeiramente puros. Foi quando atentou para a linhagem do padre. Dracul e Tepes. Já tinha ouvido esses sobrenomes antes, e certamente Laila saberia mais a respeito. Mas não faria perguntas à odalisca naquele momento tão crítico.

Hassan dirigiu-se para o altar, fez uma falsa genoflexão e se "benzeu" antes de depositar um pequeno punhado de pedras preciosas na cesta de ofertas. Fechou os olhos durante algum tempo, resmungando algumas palavras em latim, como que orando pela oferenda, para que fosse aceita. Após alguns segundos, levantou-se, de modo respeitoso, e se dirigiu para onde estava Laila. Virando-se para Pierre, retomou seu discurso teatral.

- Padre, não gostaria de abusar de sua infinita gentileza, mas temos fome, sede e estamos deveras cansados. Poderia nos agraciar com sua hospitalidade? Esteja certo que este cavaleiro cristão que vos fala sentir-se-á melhor com o advento da alvorada.

Hassan esperava que Pierre o conduzisse até um aposento e lhe desse de comer e beber. A quantia que deixara na cesta dava para, provavelmente, comprar a maior parte dos adornos ali presentes. Com isso, Hassan tinha a esperança de calar o padre. Não queria conversar. Quanto menos falasse, menos precisaria inventar fatos para justificar as circunstâncias. Como Laila havia ficado calada da primeira vez, ele esperava que ela continuasse assim, ao menos durante um pouco mais de tempo.

(Retornei do Meikai, hihihihehehehehahahahaha o,ó - Saga, 1986. XD O HD do computador tinha quase ido pro espaço de tão corrompido u,u)

Tudo corria como Hassan planejava, embora Laila não soubesse ainda exatamente qual era o plano do sufi. Os primeiros passos eram sair do deserto, chegar à Romênia e arrumar abrigo. Conseguiram. No entanto, a jovem ex-odalisca não fazia idéia do que aconteceria depois da noite de descanso. E era exatamente isso que deixava-a perturbada.

Ao assistir o aumento da farsa de Hassan - quando ele dirigiu-se ao altar e agiu como um autêntico cristão, orando inclusive - Laila indagou-se se aquele plano não estava indo longe demais. Afinal, as duas religiões eram desrespeitadas. Nada disse, apesar de sua pequena revolta interna. Sua obrigação era ficar calada, e assim permaneceria. Contudo, quase deu com a língua nos dentes quando ouviu o nome "Tepes". Não entendia muito daquela nova língua que ouvira - somente o pouco que Vladislaus disse - mas sabia que este era o sobrenome do Conde. Concluiu, então, que aquele padre poderia ser parente direto do nobre que ainda estava no campo de batalha.

Seu rosto demonstrava o choque ao ouvir aquele nome, ao elevar-se rapidamente, olhando somente para Hassan. Continuou muda, mas o sufi via claramente que suas próprias suspeitas estavam corretas: a garota ligou o nome aos indivíduos.

Ela esperava que Pierre os acomodasse logo, para que assim ela pudesse conversar em paz com seu protetor. Como padre, o jovem com rosto angelical deveria inspirar alguma confiança na garota, mas o contrário acontecia: perto dele, a dúvida e o medo aumentavam.

(OFF: Não suma mais! O_O *te bate*)

Hassan não se sentia culpado pelo que estava fazendo, já que era apenas encenação. O objetivo maior deveria ser levado a cabo. Porém, aquele homem, Pierre, era realmente uma raposa. Talvez não conhecesse tão bem assim o comportamento dos cavaleiros cristãos. Talvez tivesse subestimado a inteligência do padre.

Contudo, ele pareceu aceitar o pedido de Hassan sem fazer mais exigências. E era tudo o que o árabe precisava. Ele se sentou em um dos bancos de madeira, e fez um gesto para que Laila o acompanhasse. Estava quase abrindo a boca para sussurrar a Laila quando ouviu a pergunta de Pierre, quase como uma navalha lhe cortando a garganta, devido à surpresa.

- O nome dela é Jade. Ela não fala outra língua além da dos mouros. Então, até mesmo minha comunicação com ela é bastante básica. Contudo, ela é bastante eficiente em vários aspectos.

Com isso, esperava que o sacerdote se calasse e os deixasse a sós por um momento. Somente então ele sussurraria em árabe, bem baixinho, para que apenas Laila ouvisse.

- Nada do que você viu aqui pode ser comentado entre os altos sufis de Meca. Minha encenação pode ser mal-interpretada. Só estou fazendo isso para que tenhamos uma chance de sair daqui sem que os cristãos nos encontrem. Espero que entenda que não há outra maneira.

Laila não fez muita cerimônia, realmente precisava sentar-se e respirar por alguns minutos antes de ela e Hassan continuarem com aquele teatro - que ela detestava, aliás. Ia ouvir e responder às palavras de Hassan. Também foi pega de surpresa, abaixando rapidamente a cabeça e mexendo distraidamente num pedaço sujo de sua roupa já bem surrada.

Ficou mais algum tempo muda e, assim que teve a breve liberdade para falar, respondeu às palavras de Hassan, olhando-o no rosto:

- É claro que nada direi. Mas ainda acho errado o que estamos fazendo. Duas crenças são enganadas com nossa farsa. - ela remexeu-se na cadeira, incomodada - Não gosto deste padre. Rosto de anjo, cabeça de demônio. Sinto calafrios com ele. - para amenizar o clima, ela riu de leve, novamente mirando Hassan - Jade? Alguma referência aos meus olhos? Eu dançava com uma pedra de Jade no ventre. Perdi-a, infelizmente.

Hassan percebia o quanto Laila estava desconfortável com aquela situação. Ele também estava. Mas ela era ainda uma criança. Não entendia totalmente o que estava em jogo e o que era necessário sacrificar para se alcançar um objetivo maior. Hassan sabia o quanto teria que se penitenciar por seus atos recentes, mas isso ficaria para uma ocasião mais tranquila. Agora, precisava proteger Laila, proteger a si mesmo e pensar em um modo de driblar a mente perspicaz e arguta de Pierre.

- Apenas confie em mim, está bem? Errado seria deixar Mehmet impune. Temos que fazer o que temos que fazer. Se nos pegarem aqui, agora, seremos mortos, e todo o nosso sacrifício - e o sacrifício de Ari - terão sido em vão.

Ele contemplava a beleza singela de Laila, perdendo-se por um momento em seus olhos verdes. Seria ela filha de um mestiço? Era tão rara e exótica a combinação que ele testemunhava que custava a acreditar que Ari tivesse sido gerado por uma mulher árabe. Quando ela comentou sobre o padre, ele sorriu.

- Como a maioria dos sacerdotes cristãos, suas palavras sempre são ambíguas e eles nunca demonstram suas reais intenções. De uma certa forma, estaríamos mais seguros sendo hóspedes de Mircea.

Ele respirou fundo e, só então, notou que havia uma terceira respiração, ao fundo. Naquele silêncio, até mesmo o ato de respirar reverberava. Pierre, então, tentava ouvir a conversa de ambos. Provavelmente, ele não sabia falar árabe. Então, não tinha com que se preocupar. Quando ouviu o comentário da odalisca, respondeu-lhe gentilmente.

- Sim, fiz alusão aos seus olhos, que são realmente como duas pedras preciosas. Não sabia que você tinha perdido a pedra preciosa que usava para dançar. Talvez haja uma Jade na sacola que Ari me deu. Prometo que, quando ninguém estiver nos vigiando, procurarei uma para lhe presentear. Agora preciso voltar ao "trabalho".

E, percebendo que Pierre realmente demorava e, sabendo que ele escutava o que falavam, começou a monologar em francês, em sussurros, como se falasse para si próprio em voz alta.

- Oh, por Deus... será que o bondoso sacerdote demorar-se-á demais? Estou tão cansado... não bastam meus ferimentos, ainda tenho que ficar a todo momento explicando à minha estúpida serva o que estamos fazendo aqui... gostaria de não precisar falar mais essa língua amaldiçoada...

(Estúpida?? ò,ó...*pedala Neymar no Aloisio* isso pq sou sua noiva, então agradeça u,u/)

- Eu confio...confio em você. Não confio na situação em que estamos. Até respirar dá medo, senhor. - ela ia falar ainda mais, quando Hassan tocou no nome de Ari. Laila não sabia o que pensar ou sentir com relação ao ex-guarda de Mehmet. Estava magoada e ainda odiava-o, mas ainda assim sentia falta dele, e temia pela vida do homem.

Ficou calada quanto às palavras de Pierre. Não entendia direito o que ele falava. Porém, pelo tom de voz e pelo sorriso faceiro, tinha certeza que ele havia dito algo não muito agradável sobre a garota. Ela emburrou o rosto e cruzou os braços, enquanto as bochechas começavam a ficar vermelhas. Aos poucos, relaxou a face, brincando com alguns fios de cabelo. Não reparava de imediato o quanto Hassan olhava-a mas, quando isso aconteceu, novamente ficou encabulada, rindo sem jeito e passando as mãos à frente do rosto do sufi, como que tentando acordá-lo:

- O que foi?...Olha para mim como um bobo! - Ela coçava a nuca, sem jeito. Ultimamente ela vinha reparando que Hassan não era tão feio. Ao contrário, era bonito. Pelos relatos sobre ele, devia ser um homem justo, porém não agraciado com a beleza física. Algumas histórias eram mentirosas, e agora Laila agracia a Allah por constatar isso. Depois de muitos anos vivendo como a prometida do Sultão, ela voltava a ser, aos poucos, uma jovenzinha, descobrindo o mundo e seus sentimentos.

Ficou muda quando o sufi também mais nada disse. Ela tentou acompanhar seus movimentos e, no silêncio, também percebeu que havia mais alguém ali. Ao contrário de Hassan - que parecia bem tranqüilo - ela gelou, abaixando a cabeça. Só acalmou-se um pouco mais quando ele falou que arrumaria uma nova pedra de jade para Laila, o que a fez negar com a cabeça algumas vezes:

- Não faça isso. Aquela pedra lembrava-se da prisão luxuosa onde eu era escrava. Cativa de Mehmet. Ficarei feliz com as vestes mais simples que conseguir, assim todo meu passado será extinto.


Por fim, permitiu que ele voltasse à sua encenação. Realmente, quase nada entendia de francês. Para a sorte de Hassan, aliás. Mesmo que fosse uma farsa, ela não gostaria nada de ser chamada de "estúpida".

Hassan ouviu os passos de Pierre se afastando. Finalmente, ele buscaria o que o sufi havia requisitado. Porém, o ambiente era realmente perturbador. Por um instante, preferiu estar dormindo ao relento. Hassan, então, percebeu que Pierre voltava. Acompanhado por alguém. O árabe limpou a garganta, pois percebeu que precisaria utilizar o seu francês novamente. Primeiramente, agradeceu com um meneio de cabeça o cesto de pães. Quando percebeu que um reverendo acompanhava Pierre, precisou lutar contra suas forças para não gelar de medo. Um reverendo era alguém muito mais culto e poderia, com um mínimo de pesquisa, descobrir sua farsa. Teria que se manter na defensiva e evitar falar o máximo possível.

- É uma honra conhecê-lo, Vossa Reverendíssima. Trago cumprimentos da igreja de Marselha e do rei Guilherme. Certamente ele saberá a caridade que está prestando a um de seus cavaleiros.

Hassan fez os gestos apropriados para tratar uma autoridade daquele porte. Percebeu que ele era um alto sacerdote apenas pelo seu olhar, e sabia que precisaria se esforçar mais para tapeá-lo. Contudo, acreditava que seu disfarce havia sido bem-sucedido até aquele momento, e deveria continuar a sê-lo. Quando o Reverendo questionou sobre Laila, Hassan respondeu-o calmamente.

- Esta é Jade, minha aia. Eu a encontrei há algumas semanas junto com uma comitiva árabe. Todos foram mortos, exceto as crianças, que foram poupadas. Como eu liderava o grupo de reconhecimento que combateu os árabes, requisitei a criança mais saudável para ser minha aia, e assim tem sido desde então. Ela fala pouco qualquer outra língua que não seja o árabe, e somente comecei a doutriná-la nos princípios cristãos. Com o tempo, ela será culta e dedicada ao Altíssimo. O Senhor nos apresenta seus planos de forma misteriosa, por vezes. Sinto que é meu dever salvar essa pobre alma de uma eternidade de danação. Portanto, conto com sua imensa generosidade para permitir que ela permaneça ao meu lado.

Hassan falava de modo calmo e pausado, como faria qualquer outro cavaleiro francês com alguma experiência. Queria se livrar logo do velho, mas sabia que aquele interrogatório servia mais para descobrir espiões do que para incomodá-lo. Hassan não era exatamente um espião ali. Pouco lhe importavam os assuntos da Romênia ou da igreja de St. Michel.

Laila não tinha outra reação a não ser ficar calada e de boca fechada. Até porque, aquele local não inspirava muitas palavras na jovem ex-odalisca. Do pouco que ela entendia da conversa entre Hassan, Pierre e a nova pessoa que fez-se presente, algumas palavras ficaram gravadas. Quando a garota ergueu levemente o rosto para ver quem era o terceiro homem no recinto, sentiu um frio na espinha.

Era o ser mais assustador que já pôs seus olhos. Pior que Mehmet, que os convidados lascivos do Sultão e que Pierre. Parecia ser o mal presente no lugar, pronto para cometer ferocidades supostamente em nome de seu "Deus". Sua respiração ficou entrecortada e ela manteve-se quieta, apesar de sua vontade ter sido agarrar o braço de Hassan.

Ao ouvir seu falso nome, ela fez uma pequeníssima reverência ao senhor de idade, tentando manter a farsa o mais perfeita possível. No entanto, lá no fundo de sua alma, desejava estar do lado de fora daquela igreja. Mil vezes o frio da noite ao relento do que o calor de uma igreja que inspirava a maldade.

Hassan permaneceu impassível enquanto o reverendo perscrutava sua mente, à procura de uma falha. Aquele era o momento crucial. Se não passasse por aquela prova de fogo, colocaria tudo a perder. Com um gesto de cabeça, agradeceu à parca comida trazida por Pierre, enquanto pensava na resposta mais adequada para dar ao reverendo.

- É verdade, Vossa Reverendíssima, que em sua maioria os muçulmanos são bárbaros desalmados, mas Jade é apenas uma criança. Ela ainda não foi corrompida pelos espíritos malignos, e pode ainda ser salva. Afinal, não foi Jesus que pediu que a ele viessem as crianças? Também não foi ele que pregou aos gentios, ofertando a salvação a todos, e não apenas ao povo eleito? Portanto, Vossa Reverendíssima, enquanto Jade não possuir o dom de Pentecostes, precisarei ensiná-la as tradições bíblicas na língua que aprendeu. Com o tempo, ela aprenderá latim e francês.

Aquela raposa velha parecia mesmo estar disposta a inquirir até o mais fundo da alma do sufi. A pergunta seguinte quase o pegou de surpresa, mas ele estava bem preparado para respondê-la.

- O próprio rei Guilherme me enviou como mensageiro, já que fui um de seus soldados mais feridos. Carrego uma mensagem confidencial, e não posso revelar-lhe o teor, nem mesmo para Vossa Reverendíssima, sob pena de ser enforcado. Ademais, fiz um juramento ao rei e não posso quebrá-lo. Devo entregar a mensagem ao posto avançado cristão mais próximo, que fica a sul. Só parei aqui porque precisava descansar, me alimentar e me recuperar de meus ferimentos. Anseio por entregar a mensagem e voltar para o fronte de batalha, e se Vossa Reverendíssima puder me ajudar a me recuperar, certamente terei valia como soldado para nosso amado rei.

Após isso, expressou em sua face o cansaço. Talvez isso convencesse o homem a suspender as perguntas e a continuar com o acolhimento iniciado por Pierre. Afinal, ele era um cristão em seu disfarce, e a igreja nunca lhe negaria abrigo.

Laila não entendia o que aquele velho senhor falava; ainda assim, o temor e a dor em seu coração aumentavam, como se, a qualquer minuto, algo de terrível pudesse acontecer. A garota encolhia um pouco mais o corpo, e sentia os olhos começarem a arder e as lágrimas ficarem acumuladas à beira deles. Seu queixo tremia e ela fazia tremenda força para não chorar, respirando fundo e pensando nas coisas boas que teve na vida. O que era uma ironia, afinal: com os terríveis anos ao lado de Mehmet, qual lembrança boa teria?

Então recordou-se da primeira vez que sentiu o gosto da liberdade, assim que conseguiu escapar do palácio do Sultão; nada poderia ser comparado àquilo. Fugir para sempre da escravidão eterna, das garras de um homem vil e nojento. Conhecer o Conde, que indiretamente ajudou-a na fuga, fazendo-a sentir vontade de mais, desejo por algo maior que aquele sofrimento imposto em sua vida. Lembrou-se do Barão, bondoso como um verdadeiro pai deve ser; e de Ezequiel, amável como os anjos retratados nos livros sagrados dos cristãos. Pensou em Hassan, que em nenhum momento foi obrigado a ajudar uma simples menina, uma esposa que escapou das garras de um casamento forçado. Mas lá estava ele, ajudando-a, de tudo fazendo para vê-la livre e desmascarar Mehmet. Em poucas semanas, muitas maravilhas aconteceram em sua curta vida: agradecia a Allah por isso.

Além de tudo isso...sua cabeça imaginou como Ari estaria naquele momento. O homem que visitava-a e afagava os cabelos de sua mãe, beijando seus lábios de forma apaixonada. Aquele que contava histórias fantásticas para uma Laila ainda pequena demais para entendê-las, porém maravilhada da mesma forma. Aquele que simplesmente entregou a menina sem a menor cerimônia para Mehmet, causando desgosto e a morte da mãe. Ari, que anos depois arrependera-se, desejando o perdão e o amor de Laila. O amor era algo que Laila jamais pensaria em dar ao daroga; o perdão, só com muito custo. A confiança...jamais. Ainda assim, a saudade era maior que a mágoa, e ela imaginava se o veria novamente.

Voltou à realidade quando escutou as novas explicações do sufi, mantendo o rosto baixo e as mãos unidas no colo, repousadas suavemente. Com Hassan, sabia que, de uma forma ou outra, tudo daria certo. Nunca mais precisaria preocupar-se em ser escrava de Mehmet.

Hassan respondeu prontamente a Sandor, defendendo Laila. Ele sabia que deveria dizer o que era adequado segundo a Bíblia, pois só assim Sandor os deixaria em paz. Ele notava como Pierre os encarava, mas não dava prioridade a isso. O velho era sua maior preocupação naquele momento.

- Jesus veio ao mundo para redimir os pecados de todos. Ele defendeu uma prostituta e jantou com pecadores e criminosos. Ele não fazia distinção entre condenados e eleitos, então também não devo fazer.

Apesar de ter falado demais, precisava dar aquela informação, sob pena de ser encarado como um espião. Não seria fácil verificar a veracidade da mesma, não no momento atual da guerra. Então, quanto mais convincente parecesse, melhor para Hassan.

- Sim, Vossa Reverendíssima. Todos os homens que o rei tem estão concentrados em defender a cidade. Os árabes chegaram em número muito superior, e foi necessária muita presteza do nosso comandante para obter êxito. Mas nada garante que eles não retornarão.

Hassan ouviu as últimas palavras de Sandor, sentindo-se internamente aliviado pelo homem deixá-los em paz. Imediatamente, ele retirou a espada que carregava e ofereceu-a ao jovem padre, para que a guardasse. Mesmo sem uma espada, Hassan saberia se virar se algo desse errado. Fazendo um gesto com a cabeça, Hassan orientou Laila a seguí-lo, indo atrás de Pierre.

(Vovuska, vovuska O,o o que vc trama para Laila? XD)

Laila olhava por algumas rápidas vezes para o religioso chamado Sandor. Obviamente era alguém importante...e medonho. Não tinha qualquer ânimo de ficar sob o mesmo teto que ele. O senhor notou as orbes verdes da garota, o que a fez novamente fechar os olhos e apertar as mãos uma nas outras. Ela dificilmente entenderia o que estavam falando, porém sabia, de alguma forma, que Hassan a defenderia.

Ao menos, parecia ser o que ele estava fazendo.

Com o cessar das palavras do reverendo, uma onda imensa de alívio pareceu invadir todo o corpo e a mente de Laila. Ela levantou-se assim que Hassan gesticulou com a cabeça para segui-lo, e o fez sem pensar duas vezes. Achou muito arriscado o sufi entregar a espada para Pierre, e imaginava se ele tinha algum plano para defesa ou fuga caso fossem desmascarados. Ainda de cabeça baixa, ela falou o mais sussurrante possível, estando bem perto de Hassan:

- O que ele disse? Pela expressão, achei que fôssemos morrer hoje mesmo.

Hassan prendia a respiração a cada palavra de Sandor. O reverendo deixava bem claro quem era a verdadeira lei na Romênia: a igreja. Não era à toa que esta guerra estava sendo travada. Os monarcas cristãos eram meras marionetes nas mãos daqueles religiosos nojentos, que não poupariam nem ao menos uma criança. Era devido a isso que Hassan não podia desistir. Quando ele ouviu Laila perguntar-lhe sobre o ocorrido, tensa como um pequeno animal acuado, ele fez questão de tranquilizá-la, afagando-lhe a cabeça enquanto seguia Pierre, e falando baixinho em árabe.

- Vai dar tudo certo, não se preocupe.

O sacerdote que os guiava mais parecia levá-los para uma masmorra que para um aposento de descanso, visto que seus modos e sua aparente familiaridade com a arma de Hassan cheiravam a traição. Por sorte, era bem provável que Pierre não fosse tão habilidoso com aquela espada como Hassan o era sem ela. Daquela vez, não tinha jeito. Se quisesse continuar com seu disfarce, teria que confiar em toda aquela gente corrupta e maldita. Não podia colocar tudo a perder. Se estivesse sozinho, certamente faria diferente, mas Ari confiou Laila a Hassan, e a segurança da odalisca era uma obrigação primária para o sufi.

Laila pareceu ficar mais aliviada com as palavras de Hassan. Nada, claro, que devolvesse sua paz de espírito. Aquele lugar, que deveria ser sagrado e transmitir infinita paz, só trazia medo e solidão ao coração da ex-odalisca. Por alguns minutos, a garota desejou estar rezando numa mesquita; ao menos lá, estaria misturada em meio à multidão.

Pensava nisso, até que lembrou-se de sua marca registrada, o que sempre denunciava-a: seus enormes olhos verdes e vivos. Amaldiçoava-se siariamente por aquela beleza embutida em seus olhos, e por várias vezes tentou cegar-se quando era mais nova; pensava que, além dos pais, a culpa por ser uma "mercadoria" tão valiosa era de seus olhos. Aquelas orbes herdadas de Ari. Este pensamento fez a garota abaixar a cabeça e soluçar. Chorou por alguns segundos. No entanto, quando viu que estava chamando a atenção, secou as lágrimas rapidamente, engolindo o choro e seguindo os dois homens que estavam à sua frente.

Tentava mandar algum pensamento positivo para sua cabeça, imaginando o quão perto estava de livrar-se definitivamente de seu passado, de suas prisões, da vida infeliz que teve por anos a fio. Já começava novamente a sentir o gosto tenbtador da liberdade, do vento em seus cabelos, belos e cheios, da alegria de poder vestir o que desejasse, falar o que viesse em sua cabeça e, principalmente, denunciar Mehmet por todos os crimes que ele cometeu. Com todos aquelers pecados, certamente, ele seria incriminado, e Hadja seria livre para andar por qualquer canto. Quem sabe, não desataria a viver junto com Laila e Hassan?

Aquela liberdade, ainda imaginária, fazia o choro cessar e o sorriso surgir, enquanto ela sonhava com tudo de novo que viria. Não percebeu quando chegaram à porta do dormitório e, quando isso aconteceu, ela quase bateu na porta com o rosto. Levou um susto e pediu timidamente desculpas, em sua língua, e logo pôs-se atrás de Hassan novamente.