Quinta Noite

Ouvindo as palavras de Daniell, o princípe arqueou uma sobrancelha.

- Não te pediria se não fosse importante, Daniell. Sei que está cansado, mas eu ainda preciso de você. – Vladislaus respondeu, o rosto ainda impassível e imóvel. Seus olhos estavam estreitos, enquanto aguardava Mircea ou outro alguém atravessar as portas. O perigo não havia passado. O castelo estava desprotegido e todos estavam cansados. Se houvesse qualquer rebelião, por menor que fosse, estavam perdidos.

Pouco tempo depois, Mircea adentrou. Olhando em volta, observou os corpos dos soldados mortos e de Vladislav ao pé das escadas. Neste instante, temeu ter caído numa armadilha. Ele apertou o punho da espada e a desembainhou, olhando em direção ao homem sentado no trono e sentindo o peso de seu olhar. Parecia não ter percebido a presença de Daniell que se ocultava na escuridão do recinto, tão pouco reconhecer o irmão que haviam sido separados há oito anos.

Na escuridão, Daniella notava que Mircea não deixava nada a desejar de beleza se comparado aos seus irmãos. Não tinha os traços delicados de Radu e nem o charme selvagem de Vlad, mas possuía um ar inteligente e protetor. Era alto, o corpo bem desenvolvido, cabelos curtos e escuros e olhos verdes.

Mircea se assustou ao ouvir a risada de Daniell e virou-se depressa em sua direção, com a espada ainda em punho.

- Daniell? - perguntou, sem muita convicção.

Nunca tinha estado tão próximo de Daniell como naquele instante e isso era, de fato, um perigo para a identidade de Daniella. Da mesma forma que Daniell escutava rumores sobre Mircea, ele também escutava a respeito de Lourenth. Por isso, foram os olhos dela que fizeram Mircea reconhecê-lo. Aqueles olhos vermelhos dentro da penumbra, que pareciam somente pertencer a um demônio, mas que também havia visto numa menina anjo a quem ele nunca pôde esquecer. Mircea tentou não demonstrar o quão desconcertado estava.

Ouvindo-a, franziu o cenho e virou-se novamente para o trono. Ele mordeu o lábio inferior por um momento. Depois adotou uma expressão de profunda admiração.

- Jesus Cristo!

Vladislaus tamborilou com os dedos sobre o braço do trono.

- É o segundo a me chamar assim só hoje. O outro acabou de partir para conhecê-lo pessoalmente. – referiu-se a Vladislav. Passou a se pôr de pé lentamente. - Se meu próprio irmão não pode me reconhecer...

- Bastardo. – Mircea interrompeu.

Vladislaus sorriu de canto.

- Oh, agora sim.

Mircea caminhou em direção ao irmão e o abraçou, sorrindo. Foi um abraço forte, cheio de saudosismo. Imaginava que o irmão estivesse morto, mas ali estava ele. Podia sentir a barba rasa em sua mandíbula que não tinha sido feito nestes dois dias de viagem, o calor de seu rosto jovem, cheirar a fragrância em seu fôlego. Era ele. Mircea não tinha mais dúvidas quanto aquilo.

Pouco tempo depois, apartaram e olharam um ao outro. Depois olharam para Daniell.

- Seu malandro. – Mircea disse divertido. - Peço para você retornar para me ajudar nas defesas da Romênia e você não só o faz, como também me traz um presente!

- Mas eu já lhe disse que não há a mínima hipótese de virar santo, Daniell.

Mircea riu das palavras proferidas por Daniell e Vladislaus, com um dos braços ainda envolta do corpo do irmão.

- É realmente um verdadeiro milagre. Pensavamos que estivesse morto. - Mircea comentou.

- Morto?

O comandante suspirou.

- Quando nosso pai resolveu não pagar os tributos ao Sultão, Mehmet enviou uma mensagem dizendo que Radu e você foram mortos.

- Em parte, Mehmet não mentiu. Radu imaginou que nosso pai tinha nos abandonado.

- O pai pagou muito caro pelos próprios pecados, Vlad. Sabe o que aconteceu ao nosso pai, não sabe?

- Sei.

- E onde está Radu?

O brilho dos olhos de Vladislaus se desvaneceu.

- Eu não pude trazê-lo comigo.

Mircea silenciou, sentindo o pesar daquelas palavras. Vladislaus ergeu um pouco as sobrancelhas negras, enquanto olhava para Daniell assim que este se manifestou.

- Permaneça no castelo esta noite, Daniell. As tropas de meu irmão farão a vigília, enquanto seus homens e você descansam da viagem em segurança. Amanhã pela manhã, faremos uma procissão até o centro comercial, onde realizarei um discurso de posse. Então, estará finalmente dispensado.

Mircea fitou Daniell.

- Eu o acompanho, Daniell.

Mircea meneou a cabeça. Daniell ainda era um mistério.

- Obrigado pela ajuda, Daniell. – disse, vendo o loiro deixar a sala. Suspirou, virando-se para o irmão.

- Só espero que ele não acabe se perdendo e parando na masmorra.

Mircea sorriu maliciosamente ante as palavras do irmão. Então o observou, vendo o quanto estava exausto. Realmente não tinha energia para lidar mais com qualquer coisa naquele momento. Precisava de uma refeição e de descanso, por menor que fosse.

Vladislaus apertava discretamente o bracelete que Laila tinha lhe dado, por dentro da capa negra. Pensava se a garota não era fruto de sua mente entorpecida pela febre e que o Barão tinha concordado em procurar por notícias dela no Oriente só para sossegá-lo. Não, pensou. Ela era real. Não lembrava muito de seus traços, mas dos olhos, estes sim, jamais esqueceria. Olhos verdes, tão hipnotizantes quanto a dança que ela o presenteou, consciente que só o fato de assisti-la assinava a própria sentença de morte. Temia que ela pudesse ter voltado para as mãos dos inimigos ou, na melhor das hipóteses, que tivesse ido para a Romênia, uma vez que demonstrava está interessada pelo país. Não abrandaria, enquanto não tivesse notícias da criança que salvou sua vida.

Mircea levantou a gola da capa do irmão protegendo-o de uma brisa invisível e o abraçou novamente.

- Seja bem-vindo de volta a Romênia, meu irmão.