Segunda Manhã

Ação para Aloísio e Marys:

O cansaço que abatia o jovem sufi era visível aos olhos de Ari, mas seria besteira se lhe pedisse para que descansasse. Ambos sabiam que se as suspeitas de Hassan estivessem corretas, não tardaria para que a poeira baixasse e percebessem que os três estavam desaparecidos. Entretanto, a pergunta de Hassan sobre Laila pegou Ari desprevenido.

O daroga olhou para a jovem, observando como ela estava amuada e desconfortável. Por um instante, Ari desejou ter mordido a língua. Se há anos ele pôde guardar este segredo a sete chaves, ele poderia tê-lo feito por mais tempo ou para todo sempre.

Quando os olhos de Ari fitaram Hassan, imediatamente caiu em si que Hassan podia está pensando nas mais terríveis atrocidades que um homem como Ari cometeria a uma jovem mulher. Os olhos dele dilataram de repente, em choque dos próprios pensamentos.

- Hassan, por favor, não pense que fiz algum mal a ela. Pelo menos, não foi a minha intenção. – o olhar dele baixou por um breve instante. – Deixei-me ser dominado por um momento de fraqueza. Contei coisas a Laila que eu tinha jurado jamais dizer. Talvez, ela nunca vá me perdoar. Mas não cobrarei isso dela, eu só não podia partir sem que ela soubesse que ela não está só.

Ari respirou fundo. Então, se aproximou. A mão do daroga tocou o ombro do sufi, firme e seguro.

- Eu preciso voltar, Hassan. Como você mesmo disse, não podemos fugir de algo que não sabemos exatamente o que é. Não me acontecerá nada, eu asseguro. Os cristãos sabem que sou um homem proeminente e não me farão nada prejudicial, se acaso nossos caminhos se cruzarem. Quanto a morte de Said, o Sultão não se importará. Ele mesmo iria eliminar o sobrinho cedo ou tarde.

Um sorriso quase sombrio se formou nos lábios de Ari.

- Aos olhos dele, minha lealdade é inigualável. Também, o preço que paguei por ela foi bastante alto.

Os olhos dele discretamente indicaram Laila, que preparava a cela do cavalo. Antes que Hassan pudesse fazer qualquer comentário a mais sobre o relacionamento de Ari e Laila, o sufi sentiu seu pulso ser segurado pelo daroga e um pequeno saco de couro de camurça cair na palma de sua mão. Dentro do saco, algumas pedras preciosas, certamente ganhas pelos anos de serviços prestados a Mehmet.

- São algumas economias, há o suficiente para vocês dois se manterem na Romênia. Cuide muito bem de Laila, Hassan. Desejo ter notícias dela.

Ação para Vanessa:

No instante que Daniella estava prestes a deixar a tenda, o Conde se levantou da poltrona. Se ela não estivesse de costas para ele, veria os olhos se encherem de sangue.

- Ter se atirado na cama do Sultão e aberto às pernas é o que faz meu irmão mais esperto do que eu?

O Conde deu um intervalo, mas tão prontamente voltou a falar. Seu falar era manso e ponderado, mas havia um suave rosnar em cada palavra pronunciada, como se tivesse um felino preso na garganta.

- Eu chamaria isso de oportunista. Não vejo esperteza em um homem que se torna uma marionete. Radu poderá ter apoio para chegar ao poder, mas não será ele quem comandará a Romênia. Será o Sultão. Então suas posses, Daniell, serão tomadas e suas terras confiscadas. Sua vida, ceifada. E os homens que estão lá fora e lutaram por você e contra a invasão islâmica, perceberão que lutaram em vão.

Seu olhar era fixo sobre Daniella. Assim como Draculea percebia que a luz do Sol tocando na pele de Daniella a fazia quase intangível, da mesma forma era ele, mergulhado nas sombras da tenda.

- Eu luto pela Romênia, pelo berço onde eu nasci. E vou morrer pela Romênia, seja como príncipe, conde ou indigente. Mas você me pede uma proposta vantajosa. Só digo uma coisa... Eu não negocio e não me alio a ninguém que busca vantagens pessoais. Não alimento homens gananciosos.

Os olhos dele desviaram rapidamente de Daniell e reviraram, ao observar quem se aproximava da entrada da tenda.

- E por falar no Diabo...

Casimir impediu a saída de Daniella, se colocando a frente dela. Tinha a face ligeiramente corada e seu braço esquerdo, assim como o abdômen, estavam enfaixados. O Duque observou o Conde, para depois baixar seu tom de voz, como se quisesse que só Daniella escutasse.

- Daniell, sou portador de más notícias...

Ação para Vanessa:

Vlad revirou os olhos. Moleque tolo, boçal... Pensou. Daniell parecia não ter entendido uma palavra do que ele disse, ou simplesmente, não dava à mínima. Não eram apenas previsões, Vlad sabia o que estava prestes a acontecer nos próximos dias. Ele teve a certeza quando soube que morreria após o jantar. Radu assumindo o poder, a Romênia seria domínio árabe. Certamente ele mataria Vlad e Daniell, e Daniell não teria seu exército para ajudá-lo desta vez. O comandante parecia não está entendendo este ponto ou não estava disposto a salvar o país ou a própria vida. Se o primeiro fato fosse verdade, Daniell era um homem mais perigoso do que Casimir era.

Os olhos do Duque pareceram estudá-la por um bom tempo. Havia algo no olhar dele... havia desconfiança. Tão logo, ele pronunciou.

- Enviei alguns homens para o local onde sucedeu a emboscada contra a caravana dirigida pelo protegido do Barão. Em meios aos cadáveres achados, um chamou bastante a atenção dos meus homens por está sem as vestimentas. Sabe o que significa, não sabe?

Ação para Vanessa:

Sendo indagado sobre o jovem francês, o nobre consentiu com a cabeça.

- É o que eu desejo saber. Ele estava com Ezequiel quando sucedeu a emboscada. Após meus homens trouxerem as notícias, fui à busca deste seu cavaleiro, mas ele não foi localizado. O prisioneiro, Ari, também desapareceu.

O olhar de Casimir súbitamente se voltou ao Conde, que não estava atento à presença deles. Parecia bastante distraído, a contemplar o mapa sobre a mesa, com um olhar intenso. Com a mão posta dentro da capa, entre seus dedos, o conde sentia o frio do metal do bracelete.

- E a menina não está mais aqui.

Casimir disse a última informação numa voz extremamente baixa. Ele observou a mão do comandante que principiava a apertar inquietamente o cabo de sua espada. Houve um rápido sorriso de rapina nos lábios do nobre.

- O menino está na tenda do Barão sendo examinado por um médico. O barão me informou que ele passou mal pela madrugada. Disse que foi por conta do Sol. Mas não acredito nisso. Ezequiel tem uma saúde tão frágil quanto o tio.

Ele arqueou as sobrancelhas, bem atento do efeito de suas palavras em Daniell.

- E aposto que morrerá tão jovem quanto.

Ação para Aloísio e Marys:

Seus olhos somente observaram de relance a bolsa ser arrancada das mãos de Hassan e lançada aos seus pés. Ari contemplou toda a fúria solta de Laila com tristeza. Ele a compreendia. Laila se via, mais uma vez, ser entregue para outro homem pelo seu próprio pai, muito embora Hassan demonstrasse ser diferente do Sultão, assim como as circunstâncias.

Porém, se Laila tinha se preocupado em agredi-lo daquela forma, era porque ainda se importava com ele. Era a dor de uma nova separação.

- Há minutos atrás, se ver longe de mim era o seu maior desejo.

Ari respondeu com os olhos abaixados, mas a voz mansa, doce e fraternal, similar a forma como ele a direcionava no harém. Seus olhos se ergueram suavemente, observando-a retornar ao cavalo. Então, as palavras de Hassan. Palavras que fizeram Ari se voltar a ele.

- As leis me ensinaram nada, Hassan. Ensinaram-me a se calar e a fechar os olhos para as injustiças. Como daroga, vi muitos homens serem executados e, Allah, eram inocentes. E da mesma forma, testemunhei muitos embusteiros saírem com os bolsos cheios de ouro. Trabalho há mais de trinta anos naquele palácio. Sei muito bem por onde devo pisar. As leis do palácio são diferentes das leis que você conhece. Matei um homem que já estava condenado, acusado de conspirar contra o Sultão. O máximo que me pode acontecer, Hassan, é perder alguma de minhas propriedades por ter assassinado este mesmo homem sem ordens prévias.

Ele gesticulou suavemente com a cabeça, negando em receber a bolsa de camurça de volta.

- Fique, ou se desfaça dela, mas não me devolva. Compre o que Laila necessitar, roupas, comida, uma simples moradia. Não seja tolo em me devolver, quando sabe o quanto poderá ajudá-los em terras estrangeiras. Não nego que sentirei grande pesar se realmente eu perder seu respeito, mas perderei meu caráter se eu ir com vocês. Você salvou a minha vida, e acima de tudo, salvou a vida de minha filha. É, por isso, que não posso permitir que seu ato de coragem tenha sido em vão. Não posso arriscar perder mais uma filha.

Seus olhos ficaram repentinamente mais duros e a cor verde deles pareceu escurecer.

- Se alguma coisa aconteceu com o Sultão, tenha a certeza que não chegarás a atravessar a fronteira da Romênia. Radu irá culpá-lo e ordenará que o cacem, e não haverá ninguém para impedi-lo. Eu notei o ódio que ele nutre por você. Estando no palácio eu posso fazer com que vocês ganhem tempo, da mesma forma que fiz ao facilitar a fuga de Laila com o Conde Vladislaus.

Houve uma pausa, aguardando que o jovem sufi entendesse seu ponto, antes de prosseguir.

- Entenda, jovem sufi, não estou abandonando Laila. Allah sabe o quanto almejei pelo momento que eu pudesse, pelo menos, olhar naqueles olhos que me foram proibidos por anos. Amo-a a tal ponto que não me importo em me arriscar mais do que meu bom juízo me permite. Se peço para que tome a responsabilidade de cuidar dela em meu lugar, é porque tens a minha confiança. Mas tenha a certeza que se algo acontecer a Laila, eu caço você.

Ele virou às costas e começou a caminhar em direção aos cavalos, onde Laila já se preparava.

- Quando a poeira baixar, quem sabe Allá me permita, pelo menos, morrer em paz nos braços de minha filha.

Ação para Vanessa:

Um sorriso desaforado se fez nos lábios do nobre.

- Então você não deve se imaginar vivendo por muito tempo.

O Duque abriu o caminho para que ela passasse. Quando Daniell finalmente deixou os dois, Casimir olhou para Vlad, com a face afoita.

- Ele pensa o que? Que sou um dos homens dele a quem ele pode ficar dando ordens?

Vlad olhou para Casimir e lançou um discreto sorriso.

Os homens cumprimentaram Daniella assim que ela passava por eles em direção a tenda do barão. Na entrada, ela podia ver Ezequiel sentado na cama, enquanto o médico examinava-o, ouvindo seu coração.

- Respire profundamente...

Ele pediu ao menino e ele assim o fez, o ar sendo puxado pelos lábios meio-abertos. O homem que o examinava era um dos médicos pessoais da família real que, para o desagrado dela, se tratava de um sarraceno. Daniella podia perceber isso pelos seus traços morenos, cabelos e olhos escuros, e embora conversasse com o menino em sua língua natal, havia o sotaque carregado da raça que Daniella odiava.

O barão sorvia uma caneca de leite, enquanto observava com um olhar atento e bastante sério o garoto ser cuidadosamente examinado. Nem ao menos havia percebido a presença do comandante. A preocupação estava estampada em seu rosto.

O médico olhou para Ezequiel com uma expressão séria. Pouco tempo depois se levantou da cama. Ezequiel encostou a nuca no travesseiro e acompanhando com o olhar o médico se afastar de sua cama, seus olhos se encontraram com os de Daniella.

O escudeiro deu um agradável sorriso.

- Daniell?

Ouvindo o garoto chamá-la, o Barão se virou na direção onde o menino fitava, ficando surpreso ao ver Daniell.

- Comandante...

Ação para Vanessa:

Refeito da surpresa, o barão virou-se, pousando a caneca sobre a mesa.

- Muito bom dia, comandante. – reverenciou.

Heitor notou o olhar que o comandante direcionava ao seu jovem protegido. A máscara insondável que sempre protegeu bem os sentimentos de Daniella, parecia agora denunciá-la e mostrar um lado que trouxe admiração ao barão. O nobre pensou que o olhar de preocupação fosse talvez por ela saber que Ezequiel era mais do que um escudeiro ou uma criança comum.

O sorriso de Ezequiel se suavizou quando ele ouviu o suspiro preocupado e quase feminino. Havia compreensão em seu olhar.

Ele manteve o rosto virado na direção dela, a cabeça afundada no travesseiro e o lençol cobrindo a metade de seu corpo. Parecia debilitado, o cabelo cacheado caindo suavemente sobre a face. A camisa aberta revelava a pele em seu frescor.

Tal fragilidade lhe dava ainda mais um toque angelical e pueril.

- Foi o calor intenso, milorde. – o menino logo respondeu, a voz profundamente calma. – Mas eu estou bem agora. Não se preocupe.

Os olhos dele percorreram pelo corpo dela, observando com o cenho franzido as várias bandagens e alguns pequenos ferimentos que foram negligenciados de cuidados. As sobrancelhas se levantaram ligeiramente.

- Você quem parece está horrível.

O Barão arregalou os olhos, meio surpreso, meio divertido.

- Ezequiel!

O menino sorriu e fitou Daniella. Havia um suave ar maroto em sua face.

- Perdoe a minha indiscrição, milorde.

O médico tomou as atenções do jovem neste instante. O sarraceno entregou nas mãos de Ezequiel uma caneca fumegante do que parecia ser ervas medicinais. Ele bebeu um gole, fazendo uma terrível careca ao sentir o gosto amargo. O médico sorriu.

- Beba, Ezequiel. Beba tudo.

Então ele se afastou do jovem, olhando para Daniella por instantes, antes de se voltar ao Barão. Os dois homens se retiraram da tenda, mas Daniella podia ver pelas sombras nas paredes que eles se mantinham bastante próximos. Ezequiel vendo que agora estavam as sós, pousou a caneca sobre o colo lentamente, olhou para ela e indicou para que ela se sentasse ao seu lado.

- Por favor, milady. Sente-se. – sussurrou.

E antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele sinalizou, pedindo a palavra.

- Eles nos levaram na presença do Sultão. Forçaram-me a dizer sobre o acampamento, sobre Casimir, sobre o Conde e a menina, e sobre você. Eles pareciam saber mais sobre o acampamento do que pensávamos. Vi-os executarem cristãos, escravizarem crianças...

Ação para Aloísio e Marys:

Ouvir as palavras de Laila, o fizeram se voltar a ela. Eram palavras que vinham, de certa forma, a massagear o âmago ferido de Ari. Laila tinha dito o que ele mais desejava ouvir. Ela queria confiar nele novamente. Um sorriso discreto se formou nos lábios do daroga.

- Há ainda uma esperança, então. Pois me deixe partir com esta mesma esperança, Laila. Com a esperança de um dia, eu poder voltar e explicar tudo a você. E quem sabe eu possa conquistar a sua confiança mais uma vez. É tudo o que desejo.

Sua atenção se voltou ao sufi novamente.

- Não, Hassan. Não. Eu não penso em me entregar aos cristãos. Se eu fizer, eles irão querer saber do paradeiro de vocês. Não posso dá estas informações. O meu intento é dá tempo necessário para vocês fugirem e descobrir o que está acontecendo, para que possamos nos preparar ao que está por vir. Como daroga, conheci muitos criminosos e, até mesmo, criei certa amizade com alguns. A maioria me deve favores, se me entende...

O daroga acenou com a cabeça, mais aliviado quando Hassan aceitou a bolsa de camurça.

- Considere desta forma, então.

Ari montou no cavalo.

- Cuide bem de minha filha, Hassan. Estou lhe entregando meu bem mais precioso. Está com a minha vida em suas mãos. Mantenhamos contato. No cair da noite, mande seu amigo me procurar no palácio... – disse Ari, referindo-se a Yago. -... Certamente terei notícias importantes. Boa sorte, Hassan.

Ari esporeou o cavalo, cavalgando rápido o suficiente para bloquear o caminho de Laila. Quando o cavalo dela parou, ele a fitou intensamente. Ela podia vê-lo retirar uma rosa de dentro das vestes e beijar suas pétalas macias.

- Rosa do Deserto. Eram as favoritas de sua mãe.

O daroga segurou o pulso de Laila com delicadeza, colocando a rosa sobre a palma aberta.

- Sempre as dei toda vez que nos separávamos. É uma flor que simboliza a resistência e perseverança. Ela costumava deixar em seu berço.

Ele a olhou nos olhos por um breve momento, antes de partir.

Ação para Vanessa:

Um sorriso formoso se fez nos lábios do rapaz, assim que ela se sentou na beirada da cama dele. Era um sorriso muito mais adulto e sedutor, menos inofensivo. Ela estava bonita com os cabelos soltos, mas era um elogio que ele não falaria.

- Não é verdade, milady. É verdade que a igreja induz que os árabes são selvagens, mas em campo de batalha não vejo diferenças entre cristãos e mouros. A guerra é desumana, e não eles. Tentamos justificar nossos atos bestiais em nome de Deus, e eles fazem o mesmo. Esta guerra perpetua há mais de séculos e não há fim. Nenhum Deus que concede a vida, desejaria a morte de um homem, seja de quem fosse.

O sorriso desapareceu e ele desviou os olhos. Sentia ter fracassado ao contar aos muçulmanos detalhes do acampamento. Estava prestes a justificar, mas ela continuou. Somente ergueu os olhos novamente quando ela relatou de seu temor por pensar que estava morto. O olhar do garoto revelou sua surpresa. Quando as palavras dela fraquejaram, Daniella podia sentir a mão morna do menino a tocar na sua.

- Não fale mais, milady. Sente o calor de minha mão? Você não tem mais o que temer, eu estou aqui. Não preocupe sua mente com coisas que não aconteceram.

Ele foi se sentando lentamente ao lado dela. A caneca de remédio foi abandonada sobre a cômoda, quase intacta.

- Nós fomos por uma rota segura, mas alguém deve tê-los avisados de nossa posição. O exército deles não era grande e apareceram tão velozes, que tenho a certeza que estavam nos espreitando. Não tivemos tempo para revidar. Os sobreviventes foram lançados nas carroças. Não vi mais nada, pois eles vendaram meus olhos. Mas lembro que Jean foi colocado na mesma carroça que a minha e se manteve ao meu lado o tempo todo. Levaram-nos até o Sultão e ele quis saber qual era a mensagem que eu levava e para quem. Era a única informação que ele não sabia. As outras, senti apenas que ele desejava que eu as confirmasse.

Os olhos fitaram as próprias mãos unidas sobre as coxas. As lembranças vinham rapidamente e pareciam mergulhá-lo quase em um transe.

- Soube, naquele instante, que se eu contasse alguma mentira, ele logo saberia. E eu não podia mentir. Havia um homem, de pele bastante clara, olhos azuis, cabelos negros e longos. Era muito bonito, e parecia ser europeu. Possuía a fisionomia similar ao do Conde.

Imediatamente, Daniella sabia que ele estava se referindo ao irmão de Vlad, Radu. Havia desgosto na expressão do escudeiro, quando ele prosseguiu seu relato.

- Ele mantinha a cimitarra no pescoço de Jean durante o tempo inteiro do interrogatório, milady. Eu não podia conviver com o conhecimento que um homem morreu por minha negligência.

Os olhos dele se voltaram à face dela. Pelo ângulo em que estava posicionado, o rosto de Daniella se ocultava pelos fios de cabelos e Ezequiel não podia ver direito seus olhos. Ele só lamentou que apenas poderia perceber as emoções dela através de sua voz.

- Você prometeu me ver como um escudeiro, da mesma forma que prometi tratá-la como um homem. Proteger um escudeiro não é a sua obrigação. E se o fizer, estará me revelando...

Então, um novo sorriso.

- Você ficou assustada por mim, milady?

Ação para Vanessa:

Ezequiel acenou com a cabeça, sabendo que ela tinha razão. Quando o verdadeiro motivo para uma guerra não é forte o bastante, os homens tratam de encontrar outros motivos. E acreditar que os árabes eram bárbaros, era um bom motivo para justificar as mortes e as torturas. Mesmo que um dia fosse rei, Ezequiel sabia que seria subordinado as vontades da Igreja. Mais de uma vez chegou a testemunhar o descontentamento de Guilherme em ter que obedecer a ordens que, aos seus ouvidos, soavam absurdas.

O aperto de mão lhe chamou a atenção. A indagação tinha a incomodado, e ele logo se arrependeu de tê-lo feito. Na noite passada, ela parecia alguém tão poderosa, tão segura de si, dona de seus princípios, se divertindo em assustá-lo e provocá-lo só para deliciar-se de suas reações inocentes. Mas aquela manhã, era uma outra mulher; Uma mulher mais frágil, mais confusa, mais... mulher. Vê-la baixar a cabeça o preocupou, mas ele não se atreveu em invadir sua privacidade. Não mais do que já tinha feito e que agora ela sofria as conseqüências. A verdade é que Daniella parecia está perdendo a aposta, e para um garoto com a aparência de um anjo, mas os desejos de um homem.

Ele a escutou falar sobre seu futuro como rei e dos perigos da aristocracia, das cobras em bons vestidos e jóias que eram de, certa forma, mais perigosas que os estrangeiros. Suspirou, desviando o olhar. Sabia o que ela estava pretendendo lhe dizer. Era ainda muito jovem para atestar o caráter de alguém. No dia que ele fosse assumir o lugar de seu tio, seria apenas ele. O dever do Barão estaria terminado, sua mãe sempre muito ausente não o protegeria e seria cercado de uma corja de abutres esperando que ele também fosse desencarnado pelos médicos. A mão dele discretamente tocou em direção do coração, o punho se fechando nas vestes.

- Guilherme também me alertou sobre isso. Ele sempre está me dizendo como devo me comportar diante da aristocracia. Diz que tenho que ouvir as entrelinhas de absolutamente tudo que eles dizem e não ouvir somente as palavras em si.

Os olhos dele focaram o chão.

- Você conheceu meu tio. Os dias que ele ainda se mantém vivo é uma dádiva de Deus. Quando ele falecer, eu estarei sozinho. E se ele morrer antes de eu completar a maioridade exigida, Casimir será meu mentor. O que significa que ele subirá ao trono.

Ele suspirou, e se virou a ela, observando-a com candura.

- Eu peço sinceras desculpas, Daniella. Da mesma forma que pedi ao Barão, eu peço a você. Imagino o quanto eu tenha os assustado. Embora... – ele abriu um sorriso. – Gostaria de ter visto sua expressão de susto para ver se era maior que a minha quando você me jogou naquela tenda.

Ezequiel deu uma suave risada, até que os olhos caíram sobre as mãos unidas. Ele sentia como ela segurava forte a sua mão, como se tivesse medo de perdê-lo novamente.

- Você está realmente certa. Não vou negar. Está difícil de vê-la como um homem. Mas não pode me culpar por isso, milady. Por trás desta sua fingida brutalidade, é uma milady muito bonita. Muito delicada.

O garoto franziu o cenho e sussurrou.

- Sua mão está gelada. Está tremendo. Não está se sentindo bem?

Soltando a mão dela, ele as levou até o rosto de Daniella, instigando-a para que ela o olhasse. Os dedos dele, ainda tão delicados, puseram com cuidado os cabelos loiros atrás das orelhas da mulher. Quando ele a fitou nos olhos, seu corpo enrijeceu.

- Você estava chorando?

Ação para Vanessa:

Ver as lágrimas descer pelo rosto dela pegou Ezequiel bastante desprevenido. Lentamente ele estendeu a mão em direção do rosto dela até que as pontas dos dedos tocaram em uma das lágrimas. Os olhos dele a fitaram com curiosidade e surpresa.

Sem dizer uma única palavra, ele abriu os braços e a acolheu entre eles como um anjo protetor. Os braços envolveram suas costas e o jovem aconchegou o queixo em seu ombro, com os olhos cerrados. A respiração era mansa contra o cabelo dela, e Daniella podia sentir o ar aquecido que saia dos lábios dele acariciarem-lhe a curvatura do pescoço.

Havia se invertido ali os papéis. Ele agora parecia mais maduro do que ela, como se Daniella fosse à criança que precisasse do conforto de um abraço fraterno para expurgar seus pesadelos. Ela sentia um carinho e preocupação que há muito não recebia de mais ninguém.

Ezequiel tinha percebido que muitos fantasmas atormentavam a alma de Daniella, mas não conseguia ainda desvendar os mistérios daquela mulher tão dúbia. Era uma mulher solitária, que possuía um pai a quem parecia odiá-lo e órfã de mãe a idade tenra. Ainda assim, era só uma menina. Uma garota que usava a espada para descarregar todo o ódio que ela nutria pelos homens. Ezequiel jamais indagaria o que de tão macabro tinha ocorrido em seu passado, mas faria de tudo para ofertar a ela um pouco de luz nos dias em diante.

Ezequiel foi libertando Daniella de seu abraço, até que estava novamente sentado ao lado dela. Ela ainda podia sentir a sensação daquele abraço, como se braços invisíveis a envolvessem.

O Barão entrou na tenda, após ter dispensado o médico. Quando seus olhos se colocaram sobre os jovens, ele parou, resolvendo permanecer em silêncio e observá-los. No principio não compreendeu, mas depois de registrada a cena, um meio-sorriso brotou em seus lábios.

- Daniell? – o Barão convocou. – Eu gostaria de conversar com você.