Primeira Manhã - O Combate

Na manhã quente de verão, perto das quatro e meia da manhã, alguém se aproximava sorrateiramente da tenda de Daniell. Os passos eram silenciosos, como se o intruso fosse leve como uma pluma. Aproximava-se cada vez mais de seu alvo, que repousava sobre a cama. Tinha em seu rosto uma expressão séria no rosto, quando fitou a mulher que dormia em um sono, que a seu ver, era profundo. Abriu um belo sorriso.

O intruso, com timidez ou cautela, estendeu a mão para tocar no ombro de Daniell.

O sol já tinha quase se posto, apenas alguns raios. O Conde não despertou. O rosto dele estava muito quente pela febre e raiado de sangue pelos pequenos machucados no rosto, fazendo-a perceber que ele tinha sido vencido pela debilidade de seu corpo, em qualquer hora durante a manhã.

Ela ouviu uma voz masculina que soou como uma ordem, mas não direcionada para ela. Logo, um bando de cavaleiros de armaduras negras e seus cavalos cercavam por todos os cantos a bela moça, e ela não tinha como sair do circulo de homens esbranquiçados.

Um quase sorriso acompanhou o cavaleiro que parecia ser o líder, ao mesmo tempo que ele esporeava o cavalo de crinas negras e avançava, a meio-galope. O rapaz diminuiu a marcha até seu cavalo ficar a frente de Laila.

Era um homem alto e esbelto, numa roupa descorada de seda, mostrando ser alguém nobre. O olhar dele causava arrepios pela espinha acima de Laila. Era o olhar de uma rapina, de um homem que sentia prazer em ter poder sobre tudo.

O traje do nobre combinava perfeitamente com seus olhos azuis e até mesmo com as mechas de seus cabelos dourados. Seus cabelos loiros eram encaracolados e batiam um pouco acima dos ombros, realçando seu tom cor de neve de pele.

Casimir semicerrou os olhos e sua testa se franziu, analisando o casal, principalmente Laila.

- Bem, bem, bem. – o homem disse. – O que nós temos aqui...

Os olhos percorreram-na dos pés a cabeça.

- Identifique-se. – ordenou como se tivesse autoridade para isso.

Com o movimento rápido e de extrema destreza do punhal de Daniella, o intruso assustado recuou alguns passos para trás, tropeçando sobre as próprias pernas esguias e se segurando de costas na mesa para não cair. No ato, ele derrubou alguns candelabros no chão.

- Pelo amor de Deus, milady, sou eu. Ezequiel.

O menino exclamou, sentindo o coração pulsar mais forte. Seus olhos claros fitavam os dela, enquanto a respiração escapava de seus lábios carnudos.

- A senhora quer mesmo me matar.

O duque não respondeu a ela, limitando-se a abanar a cabeça e a fitar. Fez um sinal para um dos cavaleiros. De imediato um dos seus homens desmontou do cavalo e aproximou-se da jovem sarracena. O homem rústico pegou o anel do dedo de Laila, sem se quer olhar para ela e se afastou, entregando a jóia para o duque. Os olhos do Casimir avaliaram com destreza o emblema da Ordem do Dragão, estreitando os olhos azuis ainda mais.

- Conde Vladislaus Tepes. Dráculea. O filho bastardo do Conde Valerious deveria está morto.... – olhou para o corpo caído. -... se já não está.

Sua aparência miserável e doentia angustiava o duque. Pensativo, ele direcionou seus olhos a um dos homens.

- Ele está vivo?

- Talvez sim, senhor duque, mas ele está ardendo de febre.

- Refresque-o.

O duque voltou-se a acomodar na sela. Viu o cavaleiro puxar uma garrafa de água e refrescar a fronte do Conde, que lentamente descerrou as pálpebras, sentando-se.

Casimir aproximou o cavalo do conde. Olhou-o, com um sorriso irônico nos lábios.

- Há quanto tempo, Draculea. Está em ótima aparência. – olhou os trapos que ele vestia, o rosto e o cabelo sujo. – Ótima mesmo.

O Conde mantinha o mesmo sorriso enigmático que lhe era notório, emoldurando o rosto.

- Obrigado, Duque. Sempre tão sincero...

- Vejo que seu exílio não tem sido dos mais aconchegantes.

- Menos insofrível do que os jantares chatos em seu solar.

O duque riu.

- Não perdeu o senso de humor, Conde.

O conde inspirou, sôfrego. Então, moveu-se com dificuldade, enquanto o cavaleiro tentava ajudá-lo a se levantar e montar a sela de um dos cavalos. O animal ergueu o focinho, como se estivesse encarando-o. Montado no cavalo, comprimiu outra vez as pálpebras e soltou o peso do braço do cavaleiro, que o acomodou na sela.

O duque aproximou o cavalo de Laila.

- Tem uma bonita concubina árabe, Conde.

- Cuidado, Casimir. É uma selvagem. Ela sabe morder a mão de canalhas como ninguém.

Casimir sorriu amargo para o outro. Virou-se a Laila, observando a menina no chão, em um estado de completa submissão.

- E que ataque você se refere?

Ele pegou uma caneca da mesa com pouca gentileza e bebeu em grande gole da bebida como se fosse água, sem ao menos se preocupar em saber que bebida era àquela. Mas somente o ato em si ajudava a acalmar os nervos abalados pelo susto do ataque.

Restabelecido, ele virou-se rapidamente para o comandante.

- Eu sinto muito pelo susto, milady. Tentei chama-la do lado de fora, mas você não ouviu. E eu não entraria assim, se não fosse realmente importante.

Acenou com a cabeça, com um olhar sério em seus olhos.

- Temo que seja problema dos grandes.

Inspirou, como se quisesse tomar todo fôlego possível antes de falar.

- O Duque Casimir foi agora há pouco em direção norte com uma tropa de cavaleiros armados. Parece que encontraram dois sarracenos feridos, próximo do wadi. Um deles é uma mulher.

As próximas palavras, o menino baixou os olhos, sabendo que Daniella iria ficar uma fera. Ele olhou-a, dizendo com cuidado.

- Quem os descobriu foi um dos espiões. Casimir exigiu que ele não lhe contasse nada.

Ele olhou para ela, se privando de ri.

- Ele pensa que é um duque, minha senhora. E futuro rei, se algo acontecer a mim.

Sem tirar os olhos dela, observou-a ir atrás da parede de pano. Dando-se conta que ela começava a se despir, estancou no lugar e engoliu em seco. De repente, apertou os lábios com muita força. Seus lábios perderam a cor de tanto que ele os apertou. Parecia uma invasão bem abusiva, observa-la em sua privacidade sagrada. E ele não estava querendo ser um voyeur.

Baixou os olhos, fitando os pés, achando que aquilo era o mais prudente a se fazer. Escutava-a falar irritada sobre Casimir, mas a mente divagava.

Ouviu-a sair detrás da cortina. Ele ergueu a cabeça e olhou para ela de volta. Seus olhos azuis então se cruzaram com os vermelhos dela. Mesmo com aquelas roupas masculinas, ela ainda continuava linda.

- Sim, ouvi, senhor. – disse o menino, balançando veemente a cabeça de modo afirmativo. – Chamarei o primeiro batalhão agora mesmo.

Ezequiel então a olhou com uma preocupação estampada em seu rosto pueril e esperto.

- Tome muito cuidado, senhora. Seja prudente, eu lhe imploro. Uma briga entre nós agora, é tudo que os inimigos desejam.

Ele baixou a cabeça, em respeito.

- Com sua licença.

Ezequiel fez uma reverência ao comandante e sorriu, captou o seu olhar e sorriu de novo. Retirou-se da tenda com a agilidade de um menino esperto para seus treze anos. Ela podia ver ao longe o menino convocar pelos cavaleiros, que vieram correndo, alguns sonolentos, outros já montados em seus cavalos.

O duque tomava extrema atenção à história que ela narrava. O conde, por sua vez, sorria em perceber como a bela mulher estava prendendo a atenção do arrogante nobre. Seu sorriso desapareceu quando ela o agradeceu e viu-a tornar a desabar na areia, exausta.

O duque aproximou do cavalo do conde, que era amparado pelo cavaleiro sentado atrás dele. Cavalo lado a lado, os dois nobres pareciam à personificação perfeita de anjo e anjo caído. Dois anjos, com seus mantos movendo-se ligeiramente como asas ao compasso de suas palavras e de seus gestos.

Pareciam ignorar solenemente todos os homens que os fitavam, com seus rostos lívidos e descorados, testemunhas dos últimos acontecimentos. Os olhos do duque passearam pelo corpo do outro nobre.

- Vlad, você precisa de um banho urgente.

O conde riu, quase gargalhou. Os dedos do conde tocaram na roupa do duque.

- Contanto que eu não use uma destas suas elegantes e pomposas roupas, cheias de babado.

O duque riu e virou de costas, dando ordens para que partissem. O conde percebeu que ele não iria ajudar Laila.

- Salve-a, Casimir.

O duque Casimir olhou para trás por cima do ombro.

- Por que se importa, Conde? Ela é só uma muçulmana.

Os olhos do conde estavam cheios de fogo demoníaco quando fitaram os do duque, como se qualquer resquício de humanidade havia sido banido de seu semblante.

- Essa "só" muçulmana salvou a minha vida, algo que vocês não fizeram. - ele arqueou as sobrancelhas, dizendo num tom lento e venenoso. - Certamente estavam muito ocupados, assistindo as missas aos domingos.

Casimir pigarreou.

- Salvou-o ou o usou? Ela pode ter te libertado de propósito, as ordens do Sultão.

O Conde riu.

- Se ela estivesse cumprindo as ordens do sultão Mehmet, acha que ela teria feito o cavalo saltar naquele abismo? Não, duque, eles teriam facilitado a nossa fuga.

- Vocês saltaram?

- Nós? Não. O cavalo, sim.

O duque ia responder algo, quando olhou o vale logo abaixo. Viu o exército de Daniell se moverem ordenadamente em sua direção. Sentiu todos os nervos de seu corpo em alerta e algo se contrair em seu ventre. Guiou seu cavalo para ficar frente à frente com o cavalo do comandante, de tal modo, que os joelhos se tocavam.

- Ah, comandante... Que ótimo vê-lo aqui. - sorriu. - E que surpresa, diga-se de passagem. Vejo que meu mensageiro enviou as noticias à você e...

O duque estacou com as palavras de Daniella, sentindo um calor subir-lhe às faces. O rosto do duque estava vermelho como uma uva. Ele sorriu. Não tinha resposta para Daniell e nada respondeu. Só quando ela mudou de tópico.

- Este é um dos filhos seqüestrados do Conde Valerious. Conde Vladislaus Tepes, ou... – estendeu o anel do conde para ela. – Dráculea.

Sua sobrancelha loira arqueou e ele fitou a mulher caída na areia.

- A moça deve ser uma das esposas do Sultão, sinal de que estamos bastante encrencados.

Vladislaus olhou fixamente para o comandante, o peso de seu corpo contido pelas mãos do cavaleiro montado na mesma sela que ele. Por um momento, ela podia temer que ele tivesse a reconhecido. O conde piscou os olhos, com a visão embaçada. Durante um longo tempo viu apenas mancha e escuridão crescente, antes de cerrar os olhos, os membros relaxarem, parecendo desfalecer.

A primeira, e única vez, em que Vladislaus e Daniella se conheceram, eram ainda crianças. Ele tinha treze anos, e Daniella somente dez. Não se falaram, apenas uma breve troca de olhares, enquanto seus pais conversavam na sala de estar.

Durante o último jantar na casa dos Tepes, ela apenas tinha visto Mircea, o filho mais velho. Conde Valerious dizia que seu filho Vladislaus e o caçula, Radu, haviam sido raptados pelo Sultão Mehmet. Depois, o ancião havia levado as mãos sobre o rosto enrugado, e lamentado o destino de ambos os filhos.

O duque prendeu a respiração. Sentia o peso do olhar de Daniell, do olhar dos outros homens, que os observavam com certo prazer ou curiosos com a discussão. Em resposta, seu sorriso foi artificial.

- Em nome de Deus, o que lhe faz pensar que estou desafiando a sua liderança? Eu vim verificar quem eram os indivíduos que estavam próximo do wadi, pois temi uma armadilha contra nós, inclusive, o senhor. Mandei um mensageiro avisa-lo. Não deve ter recebido a mensagem, pois chegaste antes.

Para seu grande espanto, ela parou e virou-se para o olhar novamente. O duque riu.

- Como eu os esconderia? Principalmente em sua cidade? Oras, Daniell, está paranóico. Parece que de repente você encara-me como um inimigo, algo que não sou. – ele sorriu. – Meu senhor comandante, você me entristece mais do que sou capaz de expressar.

No acampamento, Daniell observava que os ferreiros já estavam trabalhando. Guardas patrulhavam o muro. Escudeiros ajudavam os cavaleiros com seus cavalos e suas armas.

Um cavaleiro ruivo se aproximou de Daniell.

- Comandante, por favor, um minuto de sua atenção.

O cavaleiro olhou-o, ficando frente a frente de Daniell. Casimir chegava agora no acampamento, desmontando do cavalo. O ruivo sussurrou.

- A tenda de feridos está lotada, depois da batalha de ontem. A menina foi levada para a barraca do Barão de Ibelin. Como ele só divide com o menino Ezequiel, achamos que ela ficaria melhor lá. O Conde foi levado para a sua tenda, pois não tínhamos onde deixa-lo.

Devido ao grande calor que fazia naquela manhã, Vladislaus estava com as roupas em parte desabotoadas, mostrando o inicio do tórax e um cordão dourado em seu pescoço. Vestia uma camisa branca de tecido fino e confortável, a calça preta e as botas não haviam sido trocadas. O rosto tinha sido lavado e havia um cesta de frutas ao lado da cama, que certamente ele não havia tocado.

Os homens que cuidavam do conde, ao perceberem a entrada do comandante, despediram-se de Daniell com uma profunda reverência e rapidamente se retiraram. O conde descansava o rosto numa almofada, o corpo deitado de bruços, com os braços soltos ao longo do corpo e as pernas esticadas.

O homem abriu os olhos, olhou Daniell de esguelha por cima do ombro como se quisesse dizer alguma coisa e expirou, afundando o rosto na almofada, em absoluto silêncio. Os olhos fechados, o conde parecia ter adormecido novamente.

Quando ela analisou o anel, viu a imagem de um dragão circular com sua cauda enrolada em torno de seu pescoço gravada sobre a pedra carmesim. Parecia a Daniell que o dragão de bronze servia mais como advertência do que tentação para mãos gananciosas. Daniella podia sentir-se hipnotizada pelo emblema, como se ali houvesse algo muito mais místico do que as aparências. Era um trabalho bonito, cheio de detalhes e dava uma aparência quase viva a criatura. Mas ainda algo sobre o dragão fazia Daniella sentir calafrios.

O mundo ao seu redor parecia parar, como se o tempo fosse relativo. O vento do deserto que fustigava contra as paredes da barraca cessou. Os olhos de Daniella começaram a lhe pregar uma peça.

Ela viu a cabeça do dragão de bronze começar a virar e ficar em frente dela. Seu focinho abriu lentamente e sua língua prateada emergiu por detrás dos dentes afiados. Então, num piscar de olhos, o dragão estava de volta em seu próprio lugar.

- Societas Draconistrarum. - disse numa voz mansa, à voz que um tigre domesticado teria se pudesse falar. – Meu pai pertencia à Ordem, assim como outros membros da nobreza, com o propósito de derrotar os turcos e proteger a família real.

Ela podia ouvir um suspiro lânguido.

- Era esperado que meu pai levasse o trono de Valáquia.

Depois, um suave silêncio. Toda vez que o conde se calava, dava a impressão que ele tinha morrido.

- A menina... – ele sussurrou, de repente. – Vocês a trouxeram para cá?

Se ela havia confundido Casimir com um anjo, certamente veria em Ezequiel um querubim.

Ele foi à primeira pessoa a quem ela viu, assim que abriu seus olhos. Tinha olhos azuis cintilantes, o rosto roliço de menino-bebê, os cabelos loiros escuros que emolduravam sua face através de cachos e um sorriso retorcendo em seus lábios macios.

- Senhor, olhe! – o menino advertiu. - Ela está despertando.

Laila ouviu passos se aproximar. O homem de barba e cabelo castanho, ajoelhou-se ao lado da cama dela, olhando-a nos belíssimos olhos.

- No acampamento de cruzados. – o barão respondeu suave, mas claramente. - O Conde está bem... fique calma... está sendo cuidado em outra tenda.

O homem puxou uma garrafa lacrada presa à cintura e estendeu para o jovem escudeiro.

- Ezequiel, dê essa água para ela beber.

O menino olhou para cima fitando o barão, sem ação e com uma expressão atônita no rosto. Então fitou os olhos verdes de Laila, desconcertado. Era claro que ele estava curioso, por nunca ter visto uma mulher muçulmana antes, embora ela fosse apenas uma criança, como ele era. O barão sorriu ligeiramente e replicou:

- Vamos, moleque, ela não vai te morder.

O rosto do garoto perdeu a cor, desejando ser uma avestruz para enfiar a cabeça na areia.

Com a expressão contraindo-se em vergonha, ele removeu a tampa da garrafa com a boca e com delicadeza enfiou os dedos por dentro dos cabelos dela, prendendo-a pela nuca e a trazendo para perto, tombando com cuidado um pouco de água em seus lábios.

- Beba. – o menino disse - A fará se sentir melhor.

O escudeiro olhava para qualquer coisa que não fosse aqueles profundos olhos verdes e hipnotizadores da menina de quase a mesma idade que ele. O barão riu. Depois, voltou-se novamente para ela, o rosto inclinado, um sorriso iluminando-lhe a expressão.

- Como você está se sentindo?

Ele não havia mudado muito desde criança, exceto pela boa altura e um corpo mais austero e forte. De resto, continuava o mesmo, fisicamente.

O conde era alvo como a neve, usava o cabelo negro e liso preso a um rabo de cavalo, barbeado como legitimo homem da corte e de um olhar acurado, lúcido e irônico. O que mais o diferenciava dos outros nobres, entretanto, era o brinco, uma argola de ouro que usava na orelha esquerda. O mesmo que ela se recordava em vê-lo usar quando Vladislaus ainda era um menino.

Se ele tivesse a reconhecido como sendo a bela Daniella, diria o quanto ela tinha mudado. De uma magricela, a uma bonita e interessante mulher. Mas àquele pensamento era impossível, e Daniella sabia disso. Ele não podia reconhecê-la, não drapejada em vestes masculinas.

Cada vez que respirava fundo pelas narinas, os pulmões pareciam na iminência de explodir. Então um silêncio, como se ele já não precisasse mais respirar. Ele virou-se na cama, a cabeça enterrando no travesseiro, ficando de barriga para cima.

- Sua tenda? É uma honra. – olhou o comandante, com um sorriso. - Parece que fiz um amigo bastante poderoso.

Ouvindo os comentários sobre a odalisca, as belas feições do conde resplandeceram agora num riso suave e faceiro.

- Se o sultão ainda se lembrar quantas esposas tem em seu harém.

O conde sorriu, deixando confranger os lábios por um fino sorriso de ironia terrível.

- Só torça para que ela não seja a esposa favorecida, huh?

Um dos braços se estendeu num gesto suave e automático, aconchegando-se atrás da nuca, numa visão perturbadoramente sensual.

- Não sei se ele vai sentir mais falta dela ou do seu adorável alazão.

Durante algum tempo Ezequiel contemplou o delicado rosto da morena, enquanto ela bebia a água que ele cedia. Um sorriso doce se fez em seus lábios e um riso cristalino.

- Calma, você está bebendo depressa demais.

Ele removeu um lenço do bolso e limpou cuidadosamente o canto dos lábios dela, onde havia escorrido um pouco da água. Ele esboçou um sorriso complacente com os lábios cerrados, quando percebeu a tristeza nos olhos da jovem. Teve a certeza que era uma garota que tinha convivido com muitas coisas que ele jamais vira em seus treze anos de vida, e que Deus o abençoasse em não ver.

Os dois olharam nos olhos da menina morena, quando esta, confusa, começou a falar novamente. A cama em que ela estava deitada parecia ter sido preparada para ela. A colcha estava fresca, os travesseiros afofados, e uma vela solitária na mesinha de cabeceira da direita.

- Umas três, quatro horas. – o barão respondeu, após uma pausa de reflexão. - Sua febre demorou a ceder e parece ainda não ter cedido totalmente. Permaneça deitada. É bom que você descanse. O dia todo, se possível.

A cabeça do barão virou-se para a entrada da barraca. Viu o cavaleiro ruivo adentrar na tenda e os olhos verdes dele fitarem por um instante a menina, para depois fitar o escudeiro.

- Ezequiel, o comandante está a lhe chamar.

O barão olhou para o menino.

- O que você aprontou desta vez, Ezequiel?

O escudeiro franziu o cenho.

- Que eu saiba, nada senhor.

O barão riu.

- Eu sei, garoto. Eu sei. - bagunçou os cabelos do menino, num gesto fraterno. - Vá.

O menino saiu da tenda, diante dos olhares atentos do ruivo.